Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã… Après-demain, oui, juste après-demain … Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã, Je vais prendre tout demain rien que pour penser à après-demain, E assim será possível; mas hoje não… Et là ce sera possible ; mais pas aujourd’hui …
Álvaro de Campos (Heterónimo de Fernando Pessoa Hétéronyme de Pessoa)
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O QUE É A METAFÍSICA? Qu’est-ce que la métaphysique ?
1924
Na opinião de Fernando Pessoa, expressa no ensaio «Athena», a filosofia — isto é, a metafísica — não é uma ciência, mas uma arte. Não creio que assim seja. Parece‑me que Fernando Pessoa confunde o que a arte é com o que a ciência não é. Ora o que não é ciência, nem por isso é necessariamente arte: é simplesmente não‑ciência. Pensa Fernando Pessoa, naturalmente, que como a metafísica não chega, nem aparentemente pode chegar, a uma conclusão verificável, não é uma ciência. Esquece que o que define uma actividade é o seu fim; e o fim da metafísica é idêntico ao da ciência — conhecer factos, e não ao da arte — substituir factos. As ciências realizam esse fim de conhecer factos — realizam‑no umas mais, outras menos — porque os factos que pretendem conhecer são definidos. Mas, antes de conhecidos, todos os factos são in‑definidos; e toda a ciência, em relação a eles, está no estado da metafísica. Por isso chamarei à metafísica, não uma arte, mas uma ciência virtual, pois que tende para conhecer e ainda não conhece. Se ficará sempre virtual, se o não ficará; se há outro «plano» ou vida em que deixe de ser virtual — são coisas que nem eu nem Fernando Pessoa sabemos, porque verdadeiramente não sabemos nada. De l’avis de Fernando Pessoa, exprimé dans l’essai «Athena», la philosophie – autrement-dit la métaphysique – n’est pas une science, mais un art. Je ne le pense pas. Il semble que Fernando Pessoa confonde ce que l’art est avec ce que la science n’est pas. Maintenant, ce qui n’est pas de la science, n’est pas forcément de l’art : c’est tout simplement de la non-science. Fernando Pessoa pense, bien sûr, que la métaphysique ne pouvant apparemment se rendre à une conclusion vérifiable, ne peut donc pas être une science. Il en oublie que ce qui définit une activité : c’est sa fin ; et la fin de la métaphysique est identique à la fin de la science – la connaissance des faits, et non à fin de l’art – qui remplace les faits…
Álvaro de Campos
(Heterónimo de Fernando Pessoa
Hétéronyme de Pessoa)
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AVISO POR CAUSA DA MORAL AVERTISSEMENT A CAUSE DE LA MORALE
1929
Quando o público soube que os estudantes de Lisboa, nos intervalos de dizer obscenidades às senhoras que passam, estavam empenhados em moralizar toda a gente, teve uma exclamação de impaciência. Sim — exactamente a exclamação que acaba de escapar ao leitor… Lorsque le publica apprisquelesétudiantsde Lisbonne,endisantdes obscénités aux damesqui passaient, s’étaient engagés afin de moralisertout le monde, ce public a eu une exclamationd’impatience. Oui–exactement l’exclamation quivient de vous échapper, à vous lecteur…
Álvaro de Campos
(Heterónimo de Fernando Pessoa
Hétéronyme de Pessoa)
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APONTAMENTO
Note
1929
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A minha alma partiu-se como um vaso vazio. Mon âme s’est cassée commeun vase vide. Caiu pela escada excessivamente abaixo. Elle est tombéedans les escaliers. Caiu das mãos da criada descuidada. Elle est tombéedes mains de la femme de ménage négligente…
É antes do ópio que a minh’alma é doente. C’était bien avant l’opium que mon âme était malade. Sentir a vida convalesce e estióla Sentir la vieconvalescent etfaible E eu vou buscar ao ópio que consóla Etje vais chercherla consolationdans l’opium…
Álvaro de Campos
(Heterónimo de Fernando Pessoa
Hétéronyme de Pessoa)
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1915
*** A FERNANDO PESSOA
(Depois de ler seu drama estático « O marinheiro » em « Orfeu I ») (Après la lecture de votredramestatique« Sailor » dans « Orphée I »)
Depois de doze minutos
Après douze minutes Do seu drama O Marinheiro,
De votre drame « Le Marin » Em que os mais ágeis e astutos
Là les plus agiles et rusés…
Álvaro de Campos
(Heterónimo de Fernando Pessoa
Hétéronyme de Pessoa)
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Escripto Num Livro Abandonado Em Viagem
Ecrit dans un livre abandonné en voyage
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1928
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Venho dos lados de Beja. Je viens du côté deBeja. Vou para o meio de Lisboa. Je vais aucœur de Lisbonne. Não trago nada e não acharei nada. Je n’apporte rienet jene trouverai rien…
Álvaro de Campos
(Heterónimo de Fernando Pessoa
Hétéronyme de Pessoa)
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LISBON REVISITED 1923
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Não : não quero nada. Non, jene veux rien. Já disse que não quero nada. Je vous ai ditque jene veux rien.
* Não me venham com conclusões! N’en venez pas aux conclusions! A única conclusão é morrer. La seule conclusionc’est mourir. Não me falem em moral! Ne me parlez pas demorale ! Tirem-me daqui a metafísica! Ne me parlez pas de métaphysique ! Não me apregoem sistemas completos,
não me enfileirem conquistas
Ne me noyez pas de systèmes complets, ne me rabâchez pas les conquêtes Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) — de la science (de la science, mon Dieu ! De la science !) – Das ciências, das artes, da civilização moderna!
De la science, de l’art, de la civilisation moderne!
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Que mal fiz eu aos deuses todos? Quel malai-je fait aux dieux ?
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Se têm a verdade, guardem-na! Si vous avezla vérité, gardez-là !
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Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. Je suisun technicien, mais je n’ai de la technique que dansla technique. Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. En dehors, je suis fou, avecle droit de l’être. Com todo o direito a sê-lo, ouviram? Avecle droit de l’être, vous entendez?
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Não me macem, por amor de Deus! Ne me dérangez pas,pour l’amourde Dieu!
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Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? Ils voulaientmemarier,futile, quotidien et imposable ? Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa? Ils me voulaient le contraire de ça, à l’opposé dequelque chose? Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade. Si je devais êtreun autre, je le ferais, à tous, suivant votre volonté. Assim, como sou, tenham paciência! Donc, comme jesuis, soyez patient ! Vão para o diabo sem mim, Allez au diablesans moi, Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! Oulaissez-moi allerseulau diable ! Para que havemos de ir juntos? Pourquoi y aller ensemble ?
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Não me peguem no braço! Ne me prenez pasle bras ! Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho. Je n’aime pas que l’on me prenne mon bras. Je veux être seul. Já disse que sou sozinho! Je l’ai ditque jesois seul ! Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia! Oh, quel ennuique je serve de compagnie !
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Ó céu azul — o mesmo da minha infância — Ociel bleu–le même que dansmon enfance– Eterna verdade vazia e perfeita! La vérité éternellevideet parfaite ! Ó macio Tejo ancestral e mudo, Oh doux Tageancestralet muet, Pequena verdade onde o céu se reflete! Petite véritéoù le cielse reflète! Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje! Oblessure revisitée,de Lisbonned’autrefois, d’aujourd’hui! Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta. Vous ne me donnezrien, vous ne m’en prendrez pas plus,vous n’êtesrien que je puisse ressentir !
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Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo… Laissez-moi tranquille!Pas tard, jamais je ne tarde … E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho! Et tandis quetardentl’Abîmeet le Silence, je souhaite rester seul !
Álvaro de Campos
(Heterónimo de Fernando Pessoa
Hétéronyme de Pessoa)
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Soneto Já Antigo
Sonnet déjà ancien
1922
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Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás de Regarde,Daisy: quand je mourrai, tu dizer aos meus amigos aí de Londres, diras à mes amis de Londres, embora não o sintas, que tu escondes même si tu ne le sens pas, que tu caches…