L’AFRICAIN
O Africano
Sintra 15 janvier 1432 – Sintra 28 août 1481
Sintra, 15 de janeiro de 1432 – Lisboa, 28 de agosto de 1481
succède à Edouard I son père en 1438
LE PRINCE PARFAIT
O Príncipe Perfeito
Lisbonne, 3 mars 1455 – Alvor, 25 octobre 1495
Lisboa, 3 de maio de 1455 – Alvor, 25 de outubro de 1495
succède à Alphonse V
Ainda assim, eu não me considerava sombriamente um «pária». Pourtant, je ne me considérais pas sinistrement comme un « paria ». A vida humilde tem doçuras: é grato, numa manhã de sol alegre, com o guardanapo ao pescoço, diante do bife de grelha, desdobrar o «Diário de Notícias»; La vie humble possède une certaine douceur : l’on est reconnaissant, d’un gai matin ensoleillé, d’une serviette autour de son cou, face à un steak grillé, en dépliant le « Diário de Notícias »; pelas tardes de Verão, nos bancos gratuitos do Passeio, gozam-se suavidades de idílio; par des après-midi d’été, au Passeio, sur des bancs gratuits, s’amuser de douceurs idylliques ; é saboroso à noite no Martinho, sorvendo aos goles um café, ouvir os verbosos injuriar a pátria… et savourer le soir au Martinho, en sirotant par petites gorgées son café, en écoutant injurier son pays …
Depois, nunca fui excessivamente infeliz – porque não tenho imaginação:
Enfin, je n’ai jamais été trop malheureux – grâce à mon imagination : não me consumia, rondando e almejando em torno de paraísos fictícios, nascidos da minha própria alma desejosa como nuvens da evaporação de um lago;
je ne me consumais pas, en tournant et en voulant atteindre des paradis fictifs, nés de ma propre âme jalouse comme des nuages le seraient de l’évaporation d’un lac ; não suspirava, olhando as lúcidas estrelas, por um amor à Romeu ou por uma glória social à Camors. je ne soupirais pas, regardant briller les étoiles, avec des amours à la Roméo ou une gloire sociale à la Camors. Sou um positivo. Je suis positif. Só aspirava ao racional, ao tangível, ao que já fora alcançado por outros no meu bairro, ao que é acessível ao bacharel. Seulement j’aspirais au rationnel, au tangible, à ce qui avait été réalisé par d’autres dans mon quartier, et accessible à un bachelier. E ia-me resignando, como quem a uma table d’hôte mastiga a bucha de pão seco à espera que lhe chegue o prato rico da charlotte russe. Et je me résignais, comme celui qui, à une table d’hôte, mâche un quignon de pain sec dans l’attente d’un riche plat de charlotte russe. As felicidades haviam de vir: Les bonheurs allaient venir : e para as apressar eu fazia tudo o que devia como português e como constitucional:
et pour que cela s’accélère, je faisais tout ce que je devais en honnête portugais et en juste constitutionnel : – pedia-as todas as noites a Nossa Senhora das Dores, e comprava décimos da lotaria.
– je les demandais tous les soirs à Notre-Dame des Douleurs, et j’achetais des billets à la loterie des dixièmes.
No entanto procurava distrair-me. Cependant, je cherchais toutefois àme distraire. E como as circunvoluções do meu cérebro me não habilitavam a compor odes, à maneira de tantos outros ao meu lado que se desforravam assim do tédio da profissão; Et commelescirconvolutionsde mon cerveaune medonnaient pas les moyens decomposer desodes,à la manièrede tant d’autresà mes côtés,atténuant l’ennuide la profession ; como o meu ordenado, paga a casa e o tabaco, me não permitia um vício quemon salaire, payéla maisonet le tabac, ne me permettait nullement d’assouvir des vices – tinha tomado o hábito discreto de comprar na Feira da Ladra antigos volumes desirmanados, e à noite, no meu quarto, repastava-me dessas leituras curiosas. – j’avais prisl’habitudediscrèted’acheter au marché aux pucesde vieuxvolumesdépareillés, et le soir, dans ma chambre, je me contentais de ces curieuses lectures. Eram sempre obras de títulos ponderosos: C’étaient toujours des œuvres avec des titres pompeux : «Galera da Inocência», «Espelho Milagroso», «Tristeza dos Mal-Deserdados»… « La Galère de l’Innocence», «Le Miroir miraculeux« , « Tristesse des déshérités » … O tipo venerando, o papel amarelado com picadas de traça, a grave encadernação freirática, a fitinha verde marcando a página- encantavam-me! L’aspect vénérable, lepapier jauniavec des traces demorsures de vers,les graves reliures,le petitruban vertcomme marque-pages m’enchantaient ! Depois, aqueles dizeres ingénuos em letra gorda davam uma pacificação a todo o meu ser, sensação comparável à paz penetrante de uma velha cerca de mosteiro, na quebrada de um vale, por um fim suave de tarde, ouvindo o correr da água triste… Ensuite,les écrits naïfs en grasdonnaientla paix à tout mon être, comme si je pénétrais la paixd’un ancien monastèreclôturé,oublié dans une vallée, pendant une douce fin de soirée, écoutant l’eau qui coule tristement...
Uma noite, há anos, eu começara a ler, num desses in-fólios vetustos, um capítulo intitulado «Brecha das Almas»; Une nuit,autrefois, je commençais à lire dans un de ces in-folio vétuste, un chapitre intitulé «Brèche des âmes »; e ia caindo numa sonolência grata, quando este período singular se me destacou do tom neutro e apagado da página, com o relevo de uma medalha de ouro nova brilhando sobre um tapete escuro: et je suis tombédans unesomnolence, quandune périodesingulièremeréveilla par rapport au tonneutre de la pageavec le scintillement d’une médaille d’orbrillant surun tapissombre : copio textualmente: je copietextuellement :
«No fundo da China existe um mandarim mais rico que todos os reis de que a fábula ou a história contam. « Au plus profond de la Chine, il estun richemandarin plus riche que tous les roisdes contes ou tous les rois historiques. « Dele nada conheces, nem o nome, nem o semblante, nem a seda de que se veste. De cet homme tu ne connais nivisage,nila soie qui le vêt. Para que tu herdes os seus cabedais infindáveis, basta que toques essa campainha, posta a teu lado, sobre um livro.
Pour que tu puisses hériter de ses bienfaits sans fin, tu dois juste touchercette cloche, posée à tes côtés, sur un livre. Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia. Il lâchera alorsun soupir, aux extrémitésde la Mongolie. Será então um cadáver: Ensuite, ce ne sera plus qu’un cadavre: e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição de um avaro. et tu verras alors à tes piedsplus d’or que ne peut en rêverla cupiditéd’un avare. Tu, que me lês e és um homem mortal, tocarás tu a campainha?» Toi qui me liset qui est un homme mortel, toucheras-tu à la cloche ?
Estaquei, assombrado, diante da página aberta: Je m’immobilisai, hanté, devant lapage ouverte : aquela interrogação «homem mortal, tocarás tu a campainha?» Cette interrogation «homme mortel, toucheras-tu la cloche?» parecia-me faceta, picaresca, e todavia perturbava-me prodigiosamente. me semblait facétieuse,picaresque, et pourtantme dérangeaitprodigieusement. Quis ler mais; Je voulaisen savoir plus ; mas as linhas fugiam, ondeando como cobras assustadas, e no vazio que deixavam, de uma lividez de pergaminho, lá ficava, rebrilhando em negro, a interpelação estranha maisles lignes ont fui, ondulantcomme des serpentseffrayés, et du videqu’elles laissèrent d’unepâleurdeparchemin,il restait, ennoir brillant, le questionnementétrange – «tocarás tu a campainha?» – « toucheras-tu à la cloche ?«